4 de ago. de 2010

Adeus, baby.

Estou aqui, sentava na poltrona cara de couro preto que ele comprará para nós no inicio do casamento, virada diretamente para o seu escritório. A garrafa de conhaque pela metade estava quando ele abriu a porta da frente, largando a capa de chuva na janela da lavanderia e cruzando por mim. Entra em seu escritório e nem se dá ao trabalho de fechar a porta, deixo o amargo liquido escorrer mais uma vez para dentro de meu copo.

Ele senta e retira o casaco, puxa as mangas da camisa branca até os cotovelos e lá faz uma dobra, olha para o copo vazio em sua mesa e se levanta resmugando, passa por mim na sala de estar mais uma vez e mal nota minha fantasmagórica presença com um copo de conhaque entre nos dedos, deliciando todas suas monótonas e repetitivas ações. Não preciso vê-lo para saber o que está fazendo, ligou a maquina de café expresso e colocou a xicara em baixo, enquanto as gotas caem lentamente para dentro do copo ele acende um cigarro e fuma na lavanderia. Unico sinal que me dava a entender que ele ainda sabia da minha existência (ou então o habito realmente o consumiu), eu odiava o cheiro do seu tabaco barato infenestrando a
minha casa.

Ele volta, senta-se a mesa e começa a digitar em sua velha máquina de escrever. Herança do pai, entenda, isso não é trabalho, é lazer. Ele vai parar Canso de ver sua rotina e me levanto, ele sequer desvia os olhos para mim, agarro o gargalo da garrafa entre meus dedos e cambaleio até a porta do escritório. Confesso, talvez tenha tomado demais, minha visão é desfocada, mas minha mente esta mais sa do que esteve a anos. Ele para de escrever e bufa, eu dou risada e me jogo para frente da mesa, deixo a garrafa entre nós e o observo. Ele desvia o olhar para mim, que merda de olhar, até o recepcionista do hotel me dá olhares mais profundos. Ele se curva levemente para frente, frustrado por eu estar atrapalhando o momento de felicidade dele. Sei qual seria o discurso a seguir, mas não o deixo continuar. Me ajoelho sob sua mesa e empurrando a maquina para o lado me colo em seu peito, penetrando minha lingua naquela boca que há tanto não penetrara. Ele corresponde, estava excitado, o que significa que não foi atrás dos seus rapazinhos hoje, mas me afasto. Ele continua me olhando do mesmo modo, mas tem um sorriso idiota na boca. Depois tudo foi rápido demais, Sentei em sua frente erguendo o vestido, insinuando-me, provocando-o, ele abaixou o rosto para minhas coxas e e retalhei a garrafa com meu elixir favorito em uma só batida contra sua nuca. Seu rosto bateu contra a quina da mesa, sua camisa branca irritantemente perfeita estava manchada de conhaque e de sangue. Minha mistura favorita.
Abri a primeira gaveta, bastardo, ele nunca se deu ao trabalho de mudar a senha, sempre na esperança que eu estivesse deprimida demais para cravar uma bala na própria boca. Analizei o instrumento, era lindo, muito lindo. O cinza reluzia onipontente naquele ambiente sombrio que se anuviava a minha volta, a unica coisa realmente forte o bastante naquela cena.
Então eu empurrei seu corpo contra a cadeira, estava desacordado, respirava devagar, como se tivesse dormido profundamente. Uma lembrança foi resgatada do fundo da minha memória, uma lembrança que cheirava a batata frita e Cadillac... O que será? Ah claro, nossa primeira noite juntos, no banco de seu carro, ele era novo, muito novo e muito caloroso. Claro, não durou os primeiros anos de casamento. De qualquer forma, ele dormia com aquela mesma expressao e eu o olhava radiante, como se ele fosse uma espécie de heroi ou algo do tipo.
Sentei no colo de meu marido, minhas pernas enroscadas em sua cintura, toquei a pele branca e impecavel de sua mandibula com o revolver e o beijei enquanto apertava o gatilho.
O cheiro de polvora me pegou e eu o deliciei enquanto estava no ar a minha voltao sangue descia sobre sua camisa e empapava seu colete, afastei meu corpo e vi que meu vestido tambem tinha traços do seu licor pessoal. Passei a lingua rapidamente na borda do buraco onde o sangue escorria constantemente e me levantei.
Agarrei o sobretudo e sai de dentro daquela casa, apenas levando comigo um copo de conhaque.
Na rua enlamaçada, em meio a uma tempestade um cadillac me esperava. Ele me olhou e sorriu; ah aquilo sim era olhar... Aquilo sim era sorriso.



"Caprichos Femininos" - Por Lara Magchep.

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